Vi a chuva e deu-me uma vontade imensa de me atirar a ela.
De a sentir em mim e de a deixar desfilar na minha pele como uma bailarina. Vi
a chuva e deixei-me que ela me fascinasse com a sua dança sensual de quem bem
sabe o que faz e que, por isso, cativa tão melhor que aquele que é analfabeto
aos sentidos. Deixei que ela se despisse diante dos meus olhos cegos e me
toldasse o bom senso de menina, fisgando-me com a sua aptidão maquiavelicamente
sapiente.
Por isso abri a porta e, de pés descalços, corri para ela,
sem amarras, sem receios, sem medo de não conseguir suportar o frio decadente
do outro lado da janela. E ali estava ela. Refrescante como sempre, escorria-me
pelo pescoço pelos caminhos já tão habituais à sua destreza e eu deixei-me
embalar na sua canção de ninfa; deixei-me intoxicar pela prontidão das suas
notas de sedução e a minha mente já não me pertencia – já não era mais eu, mas
sim uma marioneta da chuva e dessa valsa tão perigosa que me arrebata e me faz
outra mulher.
Hoje vi a chuva e apeteceu-me molhar-me.